sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Seu Chico


O Bar da Esquerda

Por Elaine Tavares.


A tarde era de sol e abafada. Um dia triste. Encantava aquele que acordou o Campeche nos anos 80, para a alegria, para a política, para vida. Seu Chico. A praia era raiz, tinha pouco "haule" e o que era um rancho de pesca virou um bar. Lugar de acolhimento, de sombra, de água fresca e de histórias. Quando ninguém na cidade abrigava o povo da esquerda era ali que se faziam reuniões e festas. Ali se conspirava e sonhava. A figura simples e direta do Seu Chico atuava como um regaço, onde as gentes que faziam a luta podiam descansar.

Chico era homem do mar, lançava o barco, puxava a rede, trazia o peixe. Foi assim que, junto com Eva, criou 16 filhos. E os criou gente de bem, de responsabilidade, de valentia. Um bom exemplo é o Lázaro, que até vereador foi, e como incomodou os poderosos. Deles vieram netos, bisnetos e tataranetos. Chico amava o mar do Campeche, as dunas, a restinga. Era deles seu primeiro sorriso, a cada manhã, quando vinha tomar o banho gelado que lhe dava vigor e saúde. Chico era doce como mel e seu sorriso derretia qualquer coração. Não tinham maiores ambições que a de criar os filhos, encaminhá-los e ficar ali, na beira do mar, vendo a vida passar.

Não foi sem razão que o pequeno cemitério do Campeche ficou repleto para a despedida. Chico encantou na tarde do dia 20 de dezembro depois de alguns dias lutando no hospital. O velho pescador tinha um câncer, mas, com certeza, a tristeza de ver o seu bar derrubado pelas máquinas da prefeitura lhe entristeceu demais os últimos dias. O bar era o seu mirante para o mar, lugar que não mais dominava no remo e na rede. O bar era seu refúgio. Não era dinheiro o que buscava ali. Tanto que a construção era simples, de madeira velha, bem raiz, como cabia ao Campeche. Não era um projeto capitalista. Era um espaço de aconchego e partilha. Ali se festejavam os carnavais, o natal, o ano-novo, os aniversários, qualquer coisa que alguém quisesse. Ainda assim as máquinas vieram…

As máquinas que nunca derrubaram a casa do Guga, nas dunas, nem o Costão do Santinho, onde veraneiam os ricos, ou os hotéis de luxo nas restingas. Não, apenas o bar do Chico era “ilegal”. Espaço histórico da comunidade: ilegal. Veio abaixo. Por birra, por vingança. No seu lugar tentaram erguer o deck de um condomínio. O povo revoltou: botou abaixo. Ainda assim, o bar do Chico não voltou e ele ficou mais triste.

Hoje, o dia abafado deu lugar à brisa suave, que começou a soprar na hora em que o frágil corpo do Chico descansava na beira do mar. Havia um cheiro de maresia, grito de pássaros e aquela aragem boa. A natureza oferecia o que de melhor tem para receber o amigo de tantos anos. O padre Vilson fez a missa, amarrou as palavras. A família se despediu, sem desespero, porque aquela era uma vida que tinha se cumprido em plenitude. Chico fez sua história, virou história. Morto que não morre, figura imortal. Como bem lembrou o Ataíde, surfista das antigas, em cada entardecer ainda se ouvirão as palavras do velho pescador a dizer: “rapaze, rapaze, sai da água”.

Com o encantamento do Seu Chico, o Campeche também encerra um ciclo. Hoje, o lugar bucólico onde ele fincou o seu bar já está invadido por condomínios, asfalto, grandes empreendimentos. Há luta, mas as máquinas parecem mais fortes. Resta aos novos moradores – nativos ou não – decidirem o que querem para suas vidas. Um lugar sem alma, sem identidade, poluído e intransitável ou um bairro jardim, de casas baixas, com cachorros, gatos e passarinhos, onde as pessoas se conhecem e se amparam? Muito já foi destruído, mas ainda há tempo de parar.

No silêncio da noite que se aproximava, parada na beira do mar, eu pedi ao meu deusinho que recebesse o Seu Chico nos braços e que olhasse por nós aqui embaixo, no meio de tantos vilões, pelos quais, como ensinava Cruz e Souza, temos de ter ódio, ódio são, ódio que move. Na imensidão do céu do Campeche se foi o Seu Chico, remando a canoa invisível. Vai em paz, companheiro, que aqui a gente continua. Tu cumpriste teu destino e o fizestes bem.

mar de lembranças



Vô! Um ser encantado!

Francisco Alexandrino Daniel
(1924 - 2011)

bondade - partilha - amor - união - gratidão - amizade - sorriso - alegria - aperto de mão - beijo - pirão - peixe - pesca - tainha - mar - poesia - lugar - simpatia - histórias - respeito - honestidade - generosidade - experiência - humildade - coragem - andante - falante - companheiro - inteiro - guerreiro - valente.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Vôzinho

Meu amor é teu.

São muitas lembranças. A primeira que eu tenho é de quando morávamos atrás da casa da Vó Eva e do Vô Chico, morávamos num rancho de madeira tão pequeno. E nessa minha vaga lembrança a que eu tenho é da minha Maninha num berço, meio improvisado nesse rancho.

Depois que nos mudamos pra casa até hoje a casa que a minha Mãezinha mora, não me desvencilhei da convivência na casa dos meus avós. E continuei dormindo lá, muitas vezes, tinha uma parte do guarda-roupas de alguma tia reservado pra mim. Lembro que aos poucos, fui deixando de dormir lá, mas foi um processo. O que lembro também é que acordar na casa da Vó era bem aconchegante, sempre uma mesa de café da manhã e da tarde também lindas. Até hoje minha Vó agrada os netos com suas mesas, de cafés, almoços e jantas.

Meu Vô sempre teve lugar reservado na mesa, mas não era na cabeceira, gostava do cantinho. Ai vozinho! Tantas vezes, eu na minha distração, sentei no seu lugar, sem querer, sem lembrar... e todas as vezes foi um prazer lembrar de ceder o lugar. Meu Vô deixa marcado seu lugar nessa vida para sempre.

Cresci com um Vô já cheio de histórias pra contar e mais tantas pra enfrentar. Cresci com um “Vô famoso”, no melhor dos sentidos. Um ser mágico. Acordava muito cedo, todos os dias, muitas vezes antes das 5h. Criava Vaca e Boi, e muitas vezes lembro do meu Vozinho tirando o leite da vaca, ele gostava de ensinar e eu não queria nem chegar perto. Meu Vô tinha Jeep, já velhinho na minha infância, mas adorávamos brincar naquele Jeep. Tempos depois teve um “skort”, com a placa BOB, o carro virou BOB.

Não sei se conseguem imaginar. Mas, meu Vô sempre foi uma figura mística ou mítica pra mim. Não tenho nenhuma lembrança ruim. Tudo bem, ele não gostava muito do meu cabelo. Mas, tudo bem Vô! Eu e meus irmãos sempre estudamos de manhã, só minha irmã que algum ano estudou a tarde, quando íamos pegar o ônibus passávamos na casa da Vó até hoje é assim, passamos na casa da Vó pra ir pro centro (cidade). É caminho, e é muito perto do ponto de ônibus. Ali, pela manhã, já recebíamos muito carinho. As vezes meu Vô ainda não tinha feito a barba, e adorava brincar com isso, quando a barba espetava no beijo de bom dia. Ele também gostava de falar que a melhor coisa que a gente fazia era estudar de manhã, porque é quando a cabeça está fresca para receber os conhecimentos. Sem dúvida, um ser sábio.

Sempre pedia para comermos alguma coisa. Sempre de bom humor. Meu Vô é meu cantador. Ah! Que falta vou sentir de suas músicas. E as caminhadas. Acordava cedo, ia ver o bar na praia. Ia botar os bois pra pastar. Arrumava coisa pra fazer o tempo todo. Aos poucos foi ficando velhinho e já ficava mais sentado, mais cansado. Depois que vim pro Rio, nas vezes em que voltei lá, eu era a neta carioca. Gostava de me apresentar assim, “essa é minha neta carioca”. E me perguntava de todas as praias e pontos preferidos. Meus Avós conheceram o Rio, muito antes de mim. E adoram a Praia do Flamengo.

Meu Vô me falava todos os Presidentes do Brasil, quando ouvi isso a primeira vez me apaixonei. Tudo no meu Vô era o máximo pra mim. E sempre, sempre, me diverti. Eu fazia uma festa. Pedia os Presidentes, pedia músicas, pedia histórias, meu Vô me divertia. Meu Vô me amava e eu também o amava muito. Eu o amo muito pra sempre. Ainda bem que estive esse ano com ele, em abril. Meu Vô abriu um mundo pra mim, mais leve, mais simples, mais sincero, mais feliz. Meu Vô é o grande Seu Chico, o pai do Beto, o marido da Vó Eva, o dono do Bar. Meu Vô é o meu bem. O bem mais precioso, e tive o maior prazer e orgulho do mundo em ser sua neta, ser sua neta é uma honra pra mim, Vôzinho. Obrigada, todos os dias, por ter estado na minha vida e continua em todos os sentidos, especialmente no meu coração. Meu amor é teu.



Meu amor é teu
Mas dou-te mais uma vez
Meu bem
Saudade é pra quem tem

Todo o teu amor
Eu vi de longe
De longe...
Dava pra sentir o teu perfume
Eu juro, eu juro...

Meu amor é teu
Mas dou-te mais uma vez
Meu bem
Saudade é pra quem tem

Todo o teu amor
Eu vi de longe
De longe...
Dava pra sentir o teu encanto
Eu juro...



ôh! Vô!

E agora como seguimos (?)

sem teu brilho por aqui

sem contar tantas histórias

nosso pescador

sem cantar tantas modinhas

nosso inventor

sem falar todos os presidentes desse Brasil

nosso historiador

sem teu beijo de bom dia

nosso amor

sem tua coragem no dia-a-dia

nossa dor


ôh! Vô!

agora já faz falta

cuidado que a maré tá alta

e o vento de hoje é sul

lá vem vindo chuva

hoje o céu tá mais azul


ôh! Vô!

senta aqui um pouquinho

toma um cafezinho

tô só te cuidando com carinho

descanse

não se canse

que o passeio pode ser leve


ôh! Vô!

das tantas caminhadas

fica a saudade apertada.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011



Vozinho recitando Casimiro de Abreu,

Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,
Meus amores ficam lá!
— Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros o sabiá!
Oh que céu, que terra aquela,
Rica e bela
Como o céu de claro anil!
Que seiva, que luz, que galas,
Não exalas
Não exalas, meu Brasil!
Oh! que saudades tamanhas
Das montanhas,
Daqueles campos natais!
Daquele céu de safira
Que se mira,
Que se mira nos cristais!
Não amo a terra do exílio,
Sou bom filho,
Quero a pátria, o meu país,
Quero a terra das mangueiras
E as palmeiras,
E as palmeiras tão gentis!
Como a ave dos palmares
Pelos ares
Fugindo do caçador;
Eu vivo longe do ninho,
Sem carinho;
Sem carinho e sem amor!
Debalde eu olho e procuro...
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim!
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim.
Distante do solo amado
— Desterrado —
A vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

não espero sorrir


Música: Cinema Incompleto / Thaís Gulin - Imagem: Stasia Burrington

Tem dias que nem comecei a terminar
Tem dias como este
As bodas que mal posso adivinhar
De tão inexistentes.
Ninguém me perguntou
Nas flores do meu filme.
Nenhum qualquer gostou
Dos sonhos que eu já tive.
Invento novos beijos
Não espero sorrir
Frequento outros desejos
Eu quase desisti
Eu cansei.
Beijos, brilhos, brindes, brigas, margaridas
Que eu não cometi.
Já confiei a santo antônio, estrela dalva
O que eu jamais vivi.
Guardo, escondo as cores do meu filme
Que não ouso revelar.
Sonhei possíveis sobrenomes
E ninguém insiste em me achar.
Tem dias que nem comecei a terminar.

Tudo que eu peço é um final clichê.

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obs.: Uma das minhas músicas preferidas. Orgulhosa de mim! Eu que montei esse vídeo (superando minhas ignorâncias tecnológicas).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Vinicius de Moraes


(1913 - 1980)


Deixa acontecer

Ah, não tente explicar
Nem se desculpar
Nem tente esconder
Se vem do coração
Não tem jeito, não
Deixa acontecer

O amor é essa força incontida
Desarruma a cama e a vida
Nos fere, maltrata e seduz
É feito uma estrela cadente
Que risca o caminho da gente
Nos enche de força e de luz

Vai debochar da dor
Sem nenhum pudor
Nem medo qualquer
Ah, sendo por amor
Seja como for
E o que Deus quiser

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

o pouco

"de tudo ficou um pouco"

(Resíduo - Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

casamento



Ela sonha com casamento. E hoje desconfia que recebeu algo parecido com uma proposta disso. Será?! Anda desconfiada! Mas não costuma criar expectativas.

Ele pergunta para ela:

"Você não vive feliz sozinha? Eu gostaria de poder entrar e viver com você... talvez um dia eu espero. Por que você está encontrando dificuldades para viver sozinha?"

Quem sabe um dia não viverão juntos?! Ninguém sabe. Nem ela, nem ele. Seguem esperando. Seguem caminhando.

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"ela pensa em casamento, eu vou, por que não (?)"

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

sim

céu

‎"o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu"



‎"querendo ver o mais distante, sem saber voar"