segunda-feira, 11 de julho de 2011

diálogo

Diálogo sobre a Revolução Francesa: as indagações de Watteau, David, Delacroix e Baudelaire.

por Larissa Chagas Daniel

Iniciaremos aqui uma viagem ao tempo, estão reunidos numa sala de estar, personalidades da França dos séculos XVII ao XIX, vamos ouvir o que tem a dizer Antoine Watteau (1684 – 1721), Jacques-Louis David (1748 – 1825), Eugéne Delacroix (1798 – 1873) e Charles Baudelaire (1821 – 1867). A França neste longo período compreendido pela vida destes artistas e pensadores atravessou transformações nas esferas política, social, artística, cultural; não pretendo definir ao expor a construção deste dialogo se estas mudanças foram positivas, e qual legado deixaram, mas detenho-me em localizar as idéias dos aqui apresentados, para posicioná-los como partícipes dessas ações transformadoras.
Numa cronologia didaticamente organizada, principiamos uma breve apresentação de cada personagem. Antoine Watteau (1684 – 1721), nasceu em Valenciennes, em 1702 instala-se em Paris, recebeu por sua produção a denominação de pintor das “fêtes galantes” (festas galantes); é representante do rococó francês, a sua obra guarda características impostas por fatores externos ao autor, mas também seguiu caminhos próprios . Jacques-Louis David (1748 – 1873) nasceu em Paris, este irá produzir uma arte oficia da revolução (Revolução Francesa deflagrada em 1789), tornou-se talvez nas palavras de Arnold Hauser o pioneiro e maior representante da arte classicista . Os dois últimos, refiro-me a Delacroix e Baudelaire, possuíam coisas em comum e encontram-se em vida, momento quase indiferente ao pintor, e decisivo para o poeta . O pintor Eugène Delacroix ( 1798 – 1873) sentia-se atormentado em vida, muitas vezes encontrava-se descontente com suas realizações plásticas, mas continuava sua busca e deixou em seus diários pensamentos e reflexões, referentes a arte de seu tempo. Charles Baudelaire (1821 – 1867) foi escritor, critico de arte, poeta e admirador da obra e de Delacroix, fala-se de Baudelaire como um jovem ousado .

Estão em cena três dos quatro personagens, na residência de Antoine Watteau todos se acomodam numa sala, este cenário um misto de atelier, biblioteca é um ambiente aconchegante, com algumas pinturas e reproduções de obras nas paredes, torna-se familiar a todos reunidos, que conversam por hora amigavelmente, com reservas para acusações e sentimentos contrariados.

Watteau: Estou feliz em recebê-los, como sabem preservo-me muito em meus aposentos , não sou freqüentador das festas galantes, repetidas vezes retratadas em minhas pinturas . Sintam-se à vontade. Delacroix!David!

David: Será um espetacular encontro, são longos anos de história reunidos, muitos assuntos podem vir à tona.

Delacroix: É como digo “tenho assunto para ocupar o espírito e as mãos por mais de 400 anos” .

Delacroix: E aqui estamos, sempre para pensar, dialogar, expor as idéias e conflitos pessoais, representamos juntos parte do legado artístico e cultural da França, será que somos merecedores, dignos de tal reconhecimento?

David: - Quanta preocupação! Importante é continuar trabalhando , refletindo sobre nossas ações. Não estamos prontos, mas devemos ser coerentes com nossos ideais , e deixar que tempo registre nosso legado.

Delacroix: - Gostaria que entendessem meu desespero, “uma vida inteira não me basta para produzir tudo que tenho em mente” !

Watteau: - Meu franco Delacroix! Não se aborreça, nem se aflija tanto com as palavras pronunciadas por David, ele está sempre atarefado com os rigorismos técnicos e clássicos de sua pintura, que se esquece do mundo em que vive, exceto quando se trata dos grandes feitos revolucionários, ou de personagens como Napoleão .

Dealcroix: - Não posso entender este tom de acusação! Eu também preservo e defendo os ideais revolucionários. Não estou contente com o titulo romântico que me concedem, prefiro definir-me como “um puro clássico” . E considero você David “o pai de todas as escolas modernas” !

David: -Tenho pretensões quando realizo o meu trabalho, por isso tanta preocupação com os rigorismos, que entendo como pura apreciação técnica. Quanto ao que dizes Delacroix agradeço!

Delacroix: - David entenda que temos algo em comum! Ficou surpreso? Saiba que a minha pintura “romântica” a sua classicista, ambas inspiram-se na Revolução .

Neste momento adentra a sala o quarto personagem, Baudelaire.

Baudelaire: - O que vemos aqui reunidos nesta simples sala? Seriam frágeis homens, a não ser por este integro cidadão francês que destoa dos outros, pois é a você que me refiro David .

David: - Baudelaire guarde seus elogios ao gênio de Delacroix, o qual você muito admira .

Baudelaire: - Também o admiro, David! Saiba se “Flandres tem Rubens, a Itália tem Rafael e Veronese; a França tem Lebrun, David e Delacroix” !!! Mas afirmo crer “que não estou enganado: o sr. Delacroix recebeu o gênio; que ele caminhe com segurança, que se entregue aos trabalhos imensos – uma condição indispensável ao talento. E que a opinião que exprimo aqui lhe de ainda mais confiança, pois ele é um dos mestres” . Quanto a você que parece carregar no peito o ímpeto da Revolução, esta que causou a todos tantos desenganos. Que ideais você ainda pode defender?

David: - Não entendo porque o uso de tom austero para tratar de assunto que a todos interessa? A Revolução proporcionou questionar toda uma sociedade que vivia a sombra de um passado não tão glorioso . Não posso aceitar, tratar a arte, a pintura a qual me dedico tanto a simples exposição de cenários líricos, de conteúdo frívolo .

Baudelaire: - Se o que dizes trata-se de Watteau, digo-te
Watteau, ce carnaval ou bien dês cours illustres,
Comme dês papilons, errent em flamboyant,
Décros frais et légers éclairés par dês lustres
Qui versent la folie à ce bal tournoyant;

Watteau: - Vejo que o assunto sou eu! Não estou aqui para ser atacado, criticado talvez. Que liberdade pode ter o artista com tantas regras e exigências na sociedade? Eu sou criticado por uns e exaltados por outros por pintar um ideal, não pretendo ser o centro das atenções, mas reconheçam meu trabalho. Peço que observem minha produção, assim como se indaguem sobre o tempo em que vivo.

David: - O tempo em que você vive? Ah! Sim o tempo da monarquia decadente de Luis XIV . Agora me explique o que significa para você pintar um ideal, produzir a arte pela arte?

Watteau: - Explicarei, porém tenho minhas dúvidas se você também não expressa em sua pintura um ideal ? Tenho prazer em pintar, estudar desenho, as técnicas que ainda me faltam, dedico meu tempo ao meu oficio, e de vida tenho pouco.

Baudelaire: - Não sou defensor desta arte, como os revolucionários a denominaram de rococó. Mas também não compreendo a frieza de suas pinturas David? O que faremos se homens como Nerval, Gautier estão a exaltar os feitos de Watteau? Falo isto porque também eu fui instigado pela beleza idealizada nas obras deste, e me detenho no objeto mais cultuados por estes boheme observe a grande obra, que por tanto tempo Watteau trabalhou, falo da: A peregrinação para ilha de Citara!!

Delacroix: - É como costumo dizer a “pintura deve ser, acima de tudo, uma festa para os olhos” . Tenho certeza que esta é também a mensagem de Watteau!

Watteau: - Talvez esta seja a semelhança entre o rococó e romantismo e outros movimentos! Posso concordar, mas é uma semelhança que não aproxima nossas técnicas, mas consiste nos nossos desejos.

Delacroix: - Posteriormente afirmarão que o romantismo foi à verdadeira expressão da Revolução!!! Incapaz de realizar inovações artísticas, a Revolução abriu o caminho para uma arte de fato revolucionaria .

David: - Espero que Watteau me responda a pergunta que havia feito, quanto a arte pela arte. Mas você Delacroix também poderia dizer algo sobre este assunto, pois a produção do século XIX possui um discurso semelhante.

Watteau: - Meu temor em debater alguns assuntos, é pela falta de compreensão de alguns. No tempo em que vivo, ainda há resquícios de uma cultura do gosto, onde ‘belo’ e ‘artístico’ são sinônimos. A arte é a busca do prazer e repouso !!!!

Delacroix: - Não sejamos temerosos, apesar dos ataques! O que querem os românticos, quando produzem suas obras?!?! A emancipação da arte, a oposição aos deleites burgueses !!! É isto que eles desejam, não pense você que compartilho com isto, o exibicionismo, ostentação, este espírito boêmio são odiosos !!!

Baudelaire: - Assunto encerrado!!! Vamos as obras, se o debate é a Revolução eu citaria aqui para observação Marat assassinado, de David; A Liberdade guiando o povo, de Delacroix; e Sob a insígnia de Gersaint, de Watteau. Para explicar a escolha da obra de Watteau, não deixemos de esquecer o detalhe da personagem que guarda no baú o retrato do rei; há um pouco de prazer em inserir tal detalhe, uma afirmação do descontentamento com o regime, não há Watteau???

David: - Você como critico estava aguardando por este momento?!?! E fez questão de definir as obras.

Delacroix: - Não vamos nos prolongar, as características que nos diferenciam estão muito bem expressas nestas obras selecionadas!!!

Watteau: - Estou surpreso com a escolha feita por Baudelaire!!! Este quadro é uma das ultimas produções que realizei .
Baudelaire: - Classicista, Romântica e Rococó. É isto!

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Obs.: Minha Maninha me contou há algum tempo sobre esse trabalho que ela tinha feito. Pedi para me mandar para eu ler. E depois de ver o filme do Woody Allen (Meia Noite em Paris) não resisti em compartilhar.

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