quarta-feira, 20 de junho de 2012

meus 26 anos

Em breve publicarei algo mais específico. Por ora adorei esse conto quando eu li.

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Por Lygia Fagundes Telles,

Disco Voador

Ubatuba é uma deliciosa praia do litoral paulista: despojada, simples, ela como que se preservou das tentações de um mundanismo sofisticado e lá se conserva com suas praias ainda intactas e sua cidadezinha de sabor colonial: muitos barcos de pesca, muita batida de maracujá, muita banana-ouro e prata, muita bananada do tipo caseiro. O cinema à noite com velhos filmes de terror. O parque de diversões com sua roda-gigante e suas barracas de tiro ao alvo de inatingíveis alvos. E o silêncio.

Foi do terraço de uma casa nessa praia que Paulo Emílio, o jardineiro e eu vimos um objeto não identificado e que se convencionou chamar de disco voador.

Hesitei em narrar esse episódio porque pude bem imaginar os sorrisos e os olhares desconfiados das pessoas fazendo aquelas caras, disco voador? Tudo invenção de ficcionista, é claro? Acabei me decidindo: uma escritora não pode se recusar a dar testemunho de fatos do seu tempo.

Dia 5 de fevereiro. Três horas da tarde. Estirada numa cadeira de lona eu lia um livro de poesias e ouvia – era bom de ouvir – o barulho das ondas batendo espumosas nas pedras que se erguem defronte do terraço que dá para o mar alto. Céu cinzento, a névoa baixando como uma lâmina de aço até a linha do horizonte. Calor e calma. Então ouvi Paulo Emílio, que estava sentado ao lado, dizer num tom de voz meio vago: “Olha lá... Tem uma coisa no céu”. Prossegui lendo e logo ele retornou: “Está brilhando tanto! Vai ver é um disco voador”. Respondi sem erguer o olhar: Dê-lhe minhas lembranças.

Mas ele se levantou de repente, assim num susto, a voz emocionada: “Depressa! Venha ver!...”. Levantei-me e olhei na direção que ele indicou: uma grande luz branca, de forma irregular, cintilava como uma estranha estrela no fundo de aço do céu. Como uma estranha estrela porque era maior do que uma estrela. A luz mais clara, sem as cintilações vermelho-azuladas, luz branca feito a luz de um raio, imóvel no primeiro instante. Porque logo em seguida iniciou um movimento de deslocação para a esquerda e para o fundo do céu. Um helicóptero? Foi o que me ocorreu no primeiro momento. Não, não era um helicóptero. Um balão? Não, nunca um balão faria aquele movimento que se acelerava tanto que tive a impressão de que a coisa ia cair no mar. Mas assim que ficou alguns dedos apenas acima da linha do horizonte, a coisa começou sua marcha da esquerda para a direita, apagando e acendendo, apagando e acendendo num ritmo de pulsação tum-tum, tum-tum – um coração silencioso palpitando rápido e fugindo, levantei a mão e fui abrindo e fechando os dedos para imitar seu palpitar, tum-tum, mais longe ainda! Tum-tum – gritei pelo jardineiro que estava lidando com suas folhagens, Depressa, venha ver depressa. Queria o testemunho de um caiçara tosco. Foi a terceira testemunha: pôs as mãos em concha em torno dos olhos, estava vendo, sim, representava uma estrela mas como uma estrela pode andar desse jeito e no dia claro?

Quanto tempo teria durado essa segunda fase do objeto acendendo e apagando compassadamente na sua marcha horizontal? Dois minutos: três? Foi como se a Terra tivesse parado, tudo parado em redor, o mar petrificado, os pássaros mudos, nem brisa nem folha, também nós estáticos – só a luz branca se movendo na amplidão, o acender cada vez mais reduzido, não passava agora de um pontinho do tamanho da cabeça de um alfinete. Desapareceu.

Um meteoro? Um satélite? Ou a explosão de uma estrela? Mas aquele movimento regular da luz apagando e acendendo na sua marcha controlada como uma lâmpada – aquele movimento de um coração mecânico. E então? Decididamente, o que há entre o céu e a terra ultrapassa nossa vã enumeração.

(do livro, A disciplina do Amor)

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